Rentrée 2022 | Obras em destaque até ao fim do ano

 

Recarregámos a serotonina nas férias e nas feiras. Até ao fim do ano, vamos continuar a transmitir-vos a nossa contagiante paixão pelos textos subversivos, a empurrar as palavras contra a ordem dominante e a mostrar-vos obras que contribuem para a compreensão dos acontecimentos que mudam a sociedade e as nossas vidas.

 

Eis a nossa colheita da rentrée, com notas de insolência e aroma a subversão.      

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               

23 de Agosto

As Prisões Estão Obsoletas?
Angela Davis

Ensaio

Tradução e prefácio de Sadiq S. Habib
Ilustração da capa de B.O.

Depois da publicação de A Liberdade é uma Luta Constante, a Antígona dá à estampa As Prisões estão Obsoletas? (2003). Nesta obra, Angela Davis, estudiosa, activista, ícone dos movimentos negro e feminista, debruça-se sobre o conceito de encarceramento como punição, apontando-o como herança do modo de pensar esclavagista nos EUA, nação com a maior população carcerária do mundo, propondo uma transformação radical da forma como a sociedade contempla a punição, o desmantelamento de estruturas que condenam minorias ao encarceramento e a procura de formas alternativas aos actuais sistemas prisionais. 

Excerto em pré-publicação no Ípsilon

A ilustração da capa tem autoria de B.O. e foi desenvolvida no Estabelecimento Prisional de Vale do Sousa, no âmbito do Laboratório de Arte e Cidadania promovido pela PELE (apele.org), integrado no Programa Cidadãos Ativ@s da EEA Grants (gerido pela Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação Bissaya Barreto), sendo gentilmente cedida pelo próprio. 

 

12 de Setembro

Memória do Fogo I – Os Nascimentos
Eduardo Galeano

Tradução de António Marques
Ilustração da capa de Luís Henriques (a partir de Guamán Poma)

 

Memória do Fogo (1982-1986) é a obra de maior fôlego de Eduardo Galeano, fruto de anos de investigação e escrita. Trilogia monumental que desafia as categorias de história e ficção – incompatíveis com a necessidade de expressar a vitalidade do mundo, segundo o autor –, é «a tentativa de resgatar a história viva das Américas em todas as suas dimensões, aromas, cores e dores», traçando a vida de um continente, desde os tempos pré-colombianos até aos anos 80, e formando, para muitos, o mais belo historial deste território. O primeiro volume, que se estende das mitologias indígenas sobre a formação do continente ao início do século xviii, e no qual se sucede um caleidoscópio de conquistados e conquistadores, deuses e crenças, encerra também um enredo mais vasto: o choque violento e estrepitoso entre o Velho e o Novo Mundo.

Excerto lido por Eduardo Galeano 

 

10 de Outubro

Cidadã
Claudia Rankine

Tradução de Raquel Madureira e Margarida Vale de Gato
Prefácio de Diana V. Almeida
Ilustração da capa de Nick Cave

 

Cidadã (2014) é um livro sobre actos de racismo quotidiano, na incisiva prosa poética de Claudia Rankine, autora inédita em Portugal. Esta história colectiva da experiência da negritude na contemporaneidade, e reflexão sobre a paradoxal invisibilidade e hipervisibilidade do corpo negro, converte-se também numa elegia a afro-americanos assassinados ou tragicamente abandonados pelos poderes públicos, de Trayvon Martin às vítimas do furacão Katrina. Audacioso também na forma, conjugando imagens – de artistas como Carrie Mae Weems, Nick Cave e Glenn Ligon, entre outros – e texto, é um livro urgente em tempos de debate sobre raça e igualdade.

Los Angeles Times Book Award 2014 | Forward Prize 2015 | National Book Critics Circle Award 2015 | PEN Open Book Award 2015 | finalista National Book Award 2014

Claudia Rankine (n. 1963), poeta premiada, ensaísta e dramaturga, cresceu em Kingston e em Nova Iorque. Estudou literatura em Columbia e lecciona em Yale. Soma inúmeras colaborações na Harper’s e na Granta, e publicou várias obras de prosa poética, entre as quais Don’t Let Me Be Lonely: an American Lyric (2004) e Just Us: an American Conversation (2020). Colabora com o fotógrafo e videasta John Lucas, seu companheiro, numa série de vídeos intitulada «Situation» e fundou o Racial Imaginary Institute, um colectivo de investigação interdisciplinar sobre a representação da identidade racial.

Vídeo sugerido: Situation 7, de Claudia Rankine e John Lucas 

Para ler ao som de Hell You Talmbout, de David Byrne 

 

24 de Outubro

Diário – Volume II (1959-1969)
Witold Gombrowicz

Tradução do polaco de Teresa Fernandes Swiatkiewicz

Buenos Aires, 1953. Witold Gombrowicz escrevia as primeiras linhas — talvez das mais memoráveis em toda a literatura — deste diário inclassificável, que só a sua morte interromperia em 1969.

Estas crónicas estralejantes sobre uma miríade de temas, em que «cada palavra é escrita contra a corrente» e pura dinamite que rebenta com estrondo ideias feitas, converter-se-iam na magnum opus do autor. Nelas nada sai ileso: o efémero conforto das ideologias, a pequenez dos nacionalismos, o provincianismo literário, a arte politicamente comprometida e a humanidade em geral.

No segundo e derradeiro volume do Diário, destaca-se o regresso do autor à Europa – Alemanha e França – depois de vinte e quatro anos na Argentina.

 

7 de Novembro

100 Boas Razões para me Suicidar Aqui e Agora + 12 Maneiras de Escapar ao Natal
Roland Topor

Tradução de João Berhan

 

Depois d’A Cozinha Canibal, a Antígona dá à estampa um belo dois-em-um de Roland Topor, sobre questões prementes e renovadas anualmente. Correndo o risco de os encafuarem nas prateleiras de auto-ajuda nas livrarias de todo o país, apresentamos mesmo assim dois breves textos, tão úteis como pertinentes numa sociedade onde fazer gazeta à consoada é crime de lesa-majestade e as boas razões para falecer nem sempre nos ocorrem em momentos de aperto.

Assim, ficam os leitores cientes de que tomar a decisão de ir desta para melhor constitui um acto absolutamente louvável, seja para «não aumentar o défice da segurança social», seja porque Marx (o Groucho, não o outro) lá nos espera, seja porque estamos todos cansados de previsões meteorológicas falhadas. Se o problema é mais o Natal, é coisa que se resolve num ápice: basta «perder a memória com uma paulada na cabeça» ou «tornar-se budista ou muçulmano».

 

 

Dany Laferrière em dose dupla na nossa rentrée

©JF Paga

Inédito em Portugal, Dany Laferrière (Haiti, n. 1953) começou a carreira como jornalista em Port-au-Prince. Num país nas garras do ditador Baby Doc, o exílio
tornou-se rapidamente um assunto de família: filho de um exilado político, e na lista negra das milícias, fixou-se no Canadá em 1976, depois do assassínio de Gasner Raymond, seu colega e amigo. Membro da Academia Francesa desde 2013 e vencedor de um Prémio Médicis, é hoje um dos pilares da francofonia e um dos maiores vultos literários do Quebeque. É autor de inúmeros romances e livros de crónicas, que se repartem entre as suas vivências no Haiti e as experiências na América do Norte, entre os quais, Pays sans Chapeau (1996), L’Énigme du Retour (2009) e L’Art presque perdu de ne rien faire (2011).

 

21 de Novembro

O Grito dos Pássaros Loucos
Dany Laferrière

Romance

Tradução de Luís Leitão
Ilustração da capa de Leonce Saurel, artista haitiano 

O Grito dos Pássaros Loucos (2000) narra o dia em que o mundo do autor desabou e a sua vida mudou para sempre: as últimas horas de Ossos Velhos – alter ego de Dany Laferrière – no Haiti, antes de escapar da ditadura de Duvalier e depois do assassínio do amigo e jornalista Gasner Raymond pelos Tontons Macoutes.

O Grito dos Pássaros Loucos é um último dia nas ruas de Port-au-Prince e uma só pergunta: o exílio ou a morte? É o drama da despedida, da pressa de ver pela última vez os locais da infância, das palavras que ficarão por dizer, e a história de um protagonista que, como Antígona – a metáfora do destino da personagem –, se deve revoltar contra um ditador-Creonte, ainda que o futuro lhe reserve apenas o muro da separação e da solidão.

Um romance sobre a condição do exilado e o desenraizamento de homens vítimas de homens.

Para ler ao som de Shhh / Peaceful, de Miles Davis

 

 

21 de Novembro

Como Fazer Amor com Um Negro sem se Cansar 
Dany Laferrière

Romance

Tradução de Luís Leitão
Ilustração da capa de Leonce Saurel, artista haitiano

Montreal, um Verão escaldante nos anos 80. Um quarto exíguo habitado por dois pelintras negros: Cota – aspirante a escritor à la Bukowski e Miller, que, armado com uma impertinente Remington 22, quer mandar James Baldwin arrumar as botas – e Bouba, fanático por Coltrane e Parker, eremita que vive refastelado num divã, a ler Freud e o Alcorão. Os dois levam uma alegre vida boémia de sexo e jazz e, em nome da desforra pela colonização, travam a luta racial na horizontal, assombrados pelo portento sexual do prédio – o Belzebu do Andar de Cima –, que ameaça desmoronar-lhes o tecto.

Brilhante e provocador, traduzido em várias línguas, a estreia de Laferrière é uma sátira feroz aos estereótipos e clichés racistas, que explodiu como uma bomba no mundo francófono, consagrando um autor que continua a destilar humor e ritmo. Como Fazer Amor com um Negro sem se Cansar (1985) foi adaptado ao cinema por Jacques Benoît em 1989.

Para ler ao som de Giant Steps, de John Coltrane

    


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