Em Setembro na Antígona

 

 

Em Setembro, contamos com duas novidades refractárias: Carta Aberta, de Goliarda Sapienza, e Acreditar nas Feras, de Nastassja Martin. Disponíveis a 11 e 25 de Setembro.

 

Carta Aberta (1967), primeiro livro de um ciclo que Goliarda Sapienza intitularia «Autobiografia das Contradições», é um ajuste de contas com o mundo, pela mão de uma das escritoras italianas mais apaixonantes do século xx. Fruto de um conflito interior e da necessidade de indagar o passado — quando da boca dos adultos brotavam mais mentiras do que verdades, e os pais «combatiam o fascismo com a mesma rigidez e a mesma retórica dele» —, a obra centra--se nos tempos de infância e juventude na luminosa Catânia. Ao sabor das lembranças, recupera as mulheres sicilianas que moldaram a autora, as superstições inspiradas pelo Etna, a morte do pai e a loucura da mãe, entre traumas da guerra e da ditadura. Carta Aberta é um balanço de vida, um «combate entre esta criança e o grande conformista escondido nas minhas veias», sabendo que, para renascer das cinzas, urge antes «alcançar o fundo da desordem» e desembaraçar-se de muito do que nos habita. Inclui um posfácio de Angelo Pellegrino, último companheiro de Goliarda Sapienza e impulsionador da publicação póstuma dos seus textos.

Goliarda Sapienza (1924-1996), romancista e poeta, é um dos espíritos mais livres e insubmissos da literatura italiana do século passado. Oriunda do meio anarquista siciliano, cresceu no seio de uma numerosa família militante e antifascista. Educada em casa e no abandono feliz das vielas de San Berillo, no cinema do bairro e nas olorosas osterias, troca a Catânia por Roma, em 1941, onde ingressa na Academia de Arte Dramática. Actriz em filmes de Visconti e Maselli, viveu na clandestinidade quando a guerra eclodiu, conheceu hospitais psiquiátricos, depois de várias tentativas de suicídio, e, em 1980, a prisão, experiência que relata em L’università di Rebibbia (1983). Na obra que nos legou, tão intensa como a sua biografia, destaca-se A Arte da Alegria, romance considerado imoral e rejeitado em Itália por vários editores. Alimentava-se da dúvida num mundo que apregoava certezas, e sempre se regeu pelo inconformismo e pela máxima liberdade. 

 

Acreditar nas Feras (2019) é a história do encontro brutal entre uma antropóloga e um urso no coração da floresta siberiana, em 2015. Ele poupou-lhe a vida, mas desfigurou-a. Ela sobreviveu para contar este esmagador recontro, esta história «de um colapso e de uma ressurreição», nas suas palavras. Relato fascinante de que não está ausente a dimensão política – a «guerra fria» entre Leste e Ocidente, travada no corpo de uma mulher, em intermináveis cirurgias e pernoitas em hospitais russos e franceses –, Acreditar nas Feras é não só a história de um encontro entre uma mulher e um urso e do choque de dois mundos – o selvagem e o humano –, mas um livro que questiona a convicção cosmopolita de que tudo à face do planeta deve ser domesticado, normalizado e controlado. Esta obra foi publicada recentemente no Brasil, na Alemanha e integra desde o ano passado a prestigiada colecção da New York Review of Books.  

Nastassja Martin (n. 1986) estudou Antropologia na École des Hautes Études en Sciences Sociales, onde completou a sua tese de doutoramento sob a orientação de Philippe Descola. É professora no Collège de France. É autora, entre outras obras, de Les âmes sauvages – Face à l’occident, la résistance d’un peuple d’Alaska.

«Uma exploração fascinante e ambiciosa do animismo e da fronteira entre humano e animal.» John Self, The Guardian

«Um livro surpreendente de metamorfoses, um híbrido entre antropologia e literatura, o registo de uma viagem interior e um convite ao leitor para ver o mundo de uma maneira completamente diferente.» Sophie Joubert, L’Humanité


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